fonte: O Globo

Foram quase quatro meses de desespero e muito medo. Exatos 117 dias aguardando o telefone tocar. O chamado para a consulta que nunca vinha. Entre a realização da biópsia, no Rio Imagem, e a primeira consulta com o oncologista no Hospital Federal de Bonsucesso, Kátia Regina Alves Moura, de 53 anos, chegou a acreditar que sequer teria a chance de lutar contra o câncer de mama. Era 22 de fevereiro de 2016, quando a dona de casa da Penha conseguiu chegar a uma unidade de atendimento oncológico. Esse caminho, que começa ainda antes, no pedido para realização da mamografia, leva em média de dez a 12 meses para a maioria dos pacientes fluminenses, segundo pesquisa realizada pelo Conselho Regional de Medicina (Cremerj), entre outubro e novembro do ano passado, após vistoriar as 19 unidades públicas e conveniadas ao SUS com serviço de oncologia no Estado do Rio. Pelo levantamento: 57% dos pacientes já têm diagnóstico no momento da internação. Desses, 42% tinham exames realizados há mais de seis meses e esperavam em casa, sem tratamento.

– Além de lutar contra a doença, você luta contra o tempo. Se o resultado da biópsia fosse mais rápido, se as lâminas voltassem mais rápido do laboratório, minhas chances seriam maiores. É angustiante – diz Kátia, que segue aguardando, agora, ser chamada para a radioterapia.

A espera por exames, como mamografia, endoscopias, tomografias, ressonâncias e biópsias, gera outro dado preocupante: 59% dos pacientes são internados com câncer em estágio avançado. Ainda assim, 21% dos pacientes não iniciam a quimioterapia logo após o diagnóstico confirmado.

LEI DOS 60 DIAS NÃO É CUMPRIDA

Para o coordenador da pesquisa, o diretor do Cremerj Gil Simões, o levantamento deixou claro que a lei federal 12.732, de 2012, dificilmente é cumprida. A chamada Lei dos 60 Dias determina que os pacientes com câncer, atendidos pelo SUS, devem começar a ser tratados em até dois meses após o diagnóstico da doença.

– Essa demora vai reduzir ainda mais as chances desse paciente que tem uma doença potencialmente fatal. Os pacientes chegam muito graves aos hospitais, pois estão sendo encaminhados tardiamente. Isso indica que a saúde básica não está funcionando – alerta Simões.

Entrevistados para a pesquisa, os 19 chefes de serviço destacaram como principais problemas a reduzida estrutura para exames, o que gera grave demora na marcação e é imprescindível para o diagnóstico, além da longa espera pelos resultados, tendo como consequência o adiamento do início do tratamento.

– O atraso que o paciente enfrenta até conseguir realizar todos os exames necessários ocorre por vários motivos, como a falta de estrutura e de equipamentos nas unidades, a pouca oferta de leitos, entre outros. O problema é anterior ao atendimento pelo especialista – salienta Gil Simões.

Mas a demora continua mesmo depois da chegada aos serviços de oncologia. A pesquisa do Cremerj verificou que 27% dos hospitais que tratam câncer, chamados de unidades de alta complexidade, não têm tomógrafo. Desses, 80% afirmaram que a unidade de referência não é eficaz para absorver seus pacientes. Quase 80% desses hospitais não contam com ressonância magnética, sendo que 66% deles (10 das 19 unidades) não têm uma unidade de referência eficaz para encaminhar os pacientes.

O tempo de espera para marcação de tomografia gira em torno de 12 semanas. Depois, são necessárias mais duas para receber o resultado. Já para marcar uma ressonância, espera-se em média dez semanas. Em seguida, outras três para o laudo.

A falta de estrutura tem ainda outro efeito: pedidos de exoneração do serviço público. Neste último mês, dos sete oncologistas do Hospital Federal de Bonsucesso, restaram três.

– O chefe do serviço está afastado por problemas de saúde. Os médicos estão adoecendo porque não conseguem tratar os pacientes. É catastrófico o que está acontecendo no atendimento oncológico no Estado do Rio. Estamos perdendo a chance de curar. A situação é grave e esperamos que, a partir desse levantamento, os gestores da Saúde encontrem soluções para melhorar a assistência oferecida – afirma o presidente do Cremerj, Nelson Nahon.

CRISES DE CHORO

Com o diagnóstico de câncer de mama nas mãos, Suely Martins Paes, de 57 anos, tinha crises de choro enquanto esperava ser chamada para iniciar o tratamento. Em julho de 2015, fez uma mamografia que apontou nódulos na mama. Em agosto, fez a biópsia. Um mês depois, recebeu uma folha de papel com o diagnóstico positivo e uma orientação: “espere”.

– Fiquei desesperada e minha família também. Tinha crises de choro. Até que marcaram a cirurgia para o dia 22 de fevereiro do ano passado. Neste dia, os funcionários do Hospital Mario Kröeff entraram em greve por falta de pagamento. Só fui operar no dia 3 de março, oito meses após a mamografia e seis meses depois do diagnóstico – lembra Suely.

Ao receber o resultado da biópsia do tumor retirado na operação, a dona de casa recebeu a notícia de que faria outra cirurgia. Em maio do ano passado, voltou a ser operada, para a retirada de todos os gânglios linfáticos da axila.

– A espera fez com que a cirurgia fosse mais extensa. A quimioterapia só começou três meses depois, em agosto. Essa etapa venci em 16 de dezembro do ano passado. Após mais dois meses de espera, em 13 de fevereiro, iniciei a radioterapia. Já fiz 17 das 25 sessões diárias. O que mata é a demora. Hoje, se descobrir logo e tratar rapidamente, é possível cortar o mal pela raiz. É muito triste ver pacientes chegando ao hospital já sem ter o que fazer – conta Suely.

REUNIÃO PARA IMPLANTAR MELHORIAS

No último dia 9, o Cremerj se reuniu com a Defensoria Pública da União, gestores dos 19 hospitais vistoriados, representantes do Ministério da Saúde e os secretários estadual e municipal de Saúde do Rio para estabelecer melhorias a serem implantadas. Uma nova reunião está marcada para o início de maio.

Em nota, o Ministério da Saúde respondeu que os seis hospitais federais no Rio (Bonsucesso, Andaraí, Cardoso Fontes, Ipanema, Lagoa e dos Servidores do Estado) ampliaram de 10% a 25% o atendimento a pacientes oncológicos (consultas e sessões de quimioterapia) de 2015 para 2016. Afirmou ainda que, nesta semana, as unidades estão completando um trabalho de redefinição do perfil assistencial e cirúrgico para ampliar ainda mais os serviços de tratamento do câncer.

Confira a nota do Ministério da Saúde na íntegra:

Os seis hospitais do Ministério da Saúde no Rio de Janeiro ampliaram de 10% até 25% o atendimento a pacientes oncológicos (consultas e sessões de quimioterapia) de 2015 para 2016 e estão completando nesta semana o trabalho de redefinição do perfil assistencial e cirúrgico para ampliar ainda mais os serviços de tratamento do câncer, uma demanda crescente entre a população do estado.

Os hospitais federais de Bonsucesso, Andaraí, Cardoso Fontes, Ipanema, Lagoa e dos Servidores do Estado realizaram 90.355 atendimentos oncológicos em 2016, 10,8 mil a mais do que no ano anterior, além dos atendimentos a pacientes com câncer nas emergências. O caso mais complexo é o do Hospital Federal de Bonsucesso (HFB), no qual, em média, 40% dos pacientes que dão entrada na emergência são pessoas com diagnóstico ou suspeita de câncer e já chegam ali em estágio avançado da doença.

Pela localização, com acesso fácil pela Avenida Brasil, a população da Zona Norte do Rio de Janeiro e da Baixada Fluminense tem recorrido de forma mais intensa ao HFB quando não encontra atendimento em outras unidades. Em média, 60% dos pacientes na emergência são provenientes de outras cidades. Devido ao aumento da procura de pacientes, o Instituto Nacional de Câncer (Inca), unidade do Ministério da Saúde integrada à rede de hospitais, passou a receber nas últimas semanas pessoas em tratamento quimioterápico no HFB. A medida emergencial visa desafogar o serviço aos pacientes oncológicos.

Além de oferecer serviços do SUS em seus seis hospitais e três institutos federais no Rio de Janeiro, o Ministério da Saúde repassou em 2016 para o atendimento de média e alta complexidade (que engloba hospitalizações e tratamentos de câncer, por exemplo) os valores de R$ 3,99 bilhões ao estado, o responsável por esse tipo de serviço, e mais R$ 3,09 bilhões ao município, o gestor pleno da saúde no Rio.

Por meio de nota, o Hospital Universitário Clementino Fraga Filho (HUCFF) informou que possui mais de 180 postos de trabalho de aposentados que não foram repostos, pois a unidade não tem autonomia para realizar novas contratações. A falta de profissionais causa atrasos na realização de exames e nos atendimentos aos pacientes do Sistema Único de Saúde (SUS). A unidade informou ainda que a falta de pessoal atinge outros setores do hospital, que tem 22 leitos do Centro de Tratamento Intensivo (CTI) e 40 de enfermaria parados por falta de médicos e enfermeiros.